quarta-feira, 7 de novembro de 2018

CODIGO CIVIL E LEIS Necessidade de produção de prova pericial e os Juizados Especiais Cíveis

DIREITO
06/02/2018 | domtotal.com

Necessidade de produção de prova pericial e os Juizados Especiais Cíveis

A competência dos Juizados se relaciona com a menor complexidade da causa, não sendo lícito condicioná-la à necessidade ou não de prova pericial.
A lei que regula os Juizados Especiais Cíveis no âmbito federal assegura a possibilidade de produção da prova pericial.
A lei que regula os Juizados Especiais Cíveis no âmbito federal assegura a possibilidade de produção da prova pericial. (Divulgação)
Por Thiago Salles Rocha* 
Os operadores do Direito que atuam frequentemente nos Juizados Especiais se habituaram a uma espécie de dogma jurídico segundo o qual os Juizados Especiais não admitem a produção de prova pericial. Assim, é comum a extinção dos processos, por inadmissibilidade do procedimento (artigo51, inciso II, da Lei 9.099/95), quando constatada a necessidade desta prova. Ocorre que um estudo mais profundo da lei que regula os juizados demonstra que nenhum de seus artigos dispõe expressamente que é incabível a prova pericial. Vejamos o que dispõe a Lei 9.099/95 a respeito da competência dos Juizados Especiais:
Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
(...)
§ 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
Leia também:
Ao contrário do que prevê a lei, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais (Fonaje) editou o Enunciado 54, que prevê que a complexidade da causa é aferida pelo objeto da prova:
ENUNCIADO 54 – A menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material.
Ressalta-se que este tipo de enunciado não tem força de lei ou de jurisprudência, tratando-se de mera orientação a ser seguida facultativamente pelos magistrados lotados nos Juizados Especiais. A corrente jurisprudencial majoritária, seguindo este entendimento, afirma que o procedimento previsto nos Juizados Especiais seria incompatível com a prova pericial:
Não obstante o reconhecimento da existência do direito material às recorridas, verifica-se que a apuração do quantum porventura devido em razão do contrato de participação financeira reclama, invariavelmente, a produção de prova técnica, procedimento este incompatível com o com o sistema dos Juizados Especiais.
(...)
(TJPR - 2ª Turma Recursal - 0030638-80.2013.8.16.0182/0 - Curitiba - Rel.: Gustavo Hoffmann - - J. 25.04.2014)
Trata-se de entendimento que não está de acordo com a Lei 9.099/95, que prevê:
Art. 32. Todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes.
(...)
Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.
Nota-se, portanto, que além de não proibir expressamente a produção da prova pericial, a Lei 9.099/95 prevê a possibilidade de nomeação de peritos técnicos de confiança do Juízo. Além disso, uma vez que a própria Lei 9.099/95 permite o fracionamento da audiência de julgamento em audiência de conciliação e audiência de julgamento (artigo 27) – o que, na prática constantemente ocorre – não se percebe qualquer problema para a realização da perícia, no intervalo entre as audiências.
A lei que regula os Juizados Especiais Cíveis no âmbito federal assegura a possibilidade de produção da prova pericial:
Art. 12. Para efetuar o exame técnico necessário à conciliação ou ao julgamento da causa, o Juiz nomeará pessoa habilitada, que apresentará o laudo até cinco dias antes da audiência, independentemente de intimação das partes.
Já a recente Lei 12.153/09, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública, prevê em seu artigo 10:
Art. 10. Para efetuar o exame técnico necessário à conciliação ou ao julgamento da causa, o juiz nomeará pessoa habilitada, que apresentará o laudo até 5 (cinco) dias antes da audiência.
Após essas previsões expressas, a jurisprudência vem se tornando mais flexível:
O fato de a demanda tramitar perante o Juizado Especial da Fazenda Pública não afasta a possibilidade de realização da prova pericial, em razão do disposto no art. 27 da Lei n.º 12.153 /2009, que prevê a aplicação subsidiária das legislações dos Juizados Especiais Estadual e Federal ao Juizado Especial da Fazenda Pública, as quais autorizam a realização de prova pericial judicial. (Agravo de Instrumento Nº 70064255094, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 24/06/2015).
Fica demonstrado que a competência dos Juizados Especiais se relaciona com a menor complexidade da causa, não sendo lícito condicioná-la à necessidade ou não de prova pericial, sob pena não só de ofensa ao texto da legislação de regência, como também aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa.
*Thiago Salles Rocha é advogado, professor de Direito, especialista e mestre em Direito Empresarial.

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